Educação de crianças - Educar para desobedecer
Como educar seus filhos? Existe uma maneira perfeita? Muitos contribuirão com a formação destes futuros adultos, mas a maior parcela é realmente responsabilidade dos pais. No entanto, quem ensina os pais a como educar? Eles não sabem intuitivamente o que fazer e como tratar uma criança, em geral, repetem os exemplos de seus pais, tentando evitar de forma consciente as situações que consideram problemáticas em sua própria criação.
Até então você deve estar pensando: Sim, e tem algo errado nisto? Eu sou um cidadão de bem, meu pai também era, se educar meu filho da mesma forma por que obteria um resultado diferente? No entanto, este é exatamente o problema.
Nós naturalizamos a tal ponto certos aspectos da vida social atual que não os percebemos. Internalizamos conceitos como hierarquia, obediência, autoridade e poder logo na primeira infância, e a educação dos pais é a maior responsável por isso.
Sim, um dia todos fomos pequenos humanos aprendendo a lidar com um universo imenso de coisas novas, fazemos muitas besteiras e nos colocamos diversas vezes em perigo, sendo salvos frequentemente graças aos nossos pais. Sim, uma criança não é tão responsável quanto um adulto, nem é capaz de fazer certas escolhas devido a sua falta de experiência e conhecimento sobre as consequências de seus atos.
É justamente este papel de responsabilidade dos pais que, imbuído de grande poder sobre seu filho, pode degenerar em uma criação castradora e subserviente. A formação educacional de uma criança é muito mais ampla que matemática e português, durante a infância se estabelecem os nossos exemplos éticos, morais e nossa percepção de autoridade. Seu filho é condicionado a obedecer e se subtrair das escolhas da vida em inúmeras situações.
Quando você escolhe por seu filho, seja a roupa, o brinquedo ou qualquer outra preferência, você está construindo uma identidade para ele também, e forçar um tipo de escolha é uma das primeiras fontes de traumas. Crianças não são brinquedos para embonecar, não são desprovidas de preferências, percebem quando algo incomoda e vão tentar de sua maneira expressar suas preferências, cabe aos pais saber respeitar e negociar com a criança as vontades e necessidades enquanto ela não tem a capacidade de fazer isso sozinha.
Crianças precisam de atenção constantemente, elas estão formando sua capacidade de socialização e desejam ser valorizadas e percebidas. Quando os pais constroem padrões de exigência muito altos para seus filhos ou simplesmente não se importam com o que a criança faz ou deixa de fazer, seja nas notas, formas de expressão, comportamento ou desempenho (competitividade em brincadeiras e jogos), eles produzem um indivíduo que não saberá lidar bem com o fracasso ou sucesso e frequentemente terá uma baixa autoestima, sendo capaz de praticar um perfeccionismo exagerado e um pesado julgamento sobre suas próprias ações.
Para que existam pessoas que mandem, é necessário a criação do senso de obediência, e todo aquele que obedece cegamente, sonha com o dia em que irá ser aquele que manda. São comuns as máximas gritadas com prazer por adultos como “Obedeça seus pais”, “Respeite os mais velhos”, “Você não me responda”, “Cale a boca”, “Peça permissão”, “eu não te dei autorização” e “você está proibido” são exemplos típicos do uso autoritário do papel dos pais sobre seus filhos, normalmente expressos em uma voz imperativa, quando não violenta.
Perceba aqui que não é uma questão de criar seu filho de forma completamente solta, isto é igualmente danoso. O que estamos apontando, é que a obediência é benéfica quando deriva de respeito, afeto e admiração, e não da força ou do medo. Aceitar um conselho devido à sua sabedoria, à estima pelo locutor ou por simples consideração é muito mais saudável do que um comportamento provocado por culpa ou angústia. Qual é a diferença principal? É a criação do senso de responsabilidade sobre as ações dos indivíduos, precisamos superar as argumentações do tipo “ele começou”, “estava seguindo ordens”, “ela me provocou”, “o que eu podia ter feito?”, “ele estava pedindo por isso” ou “perdi a cabeça”.
Se realmente desejamos um sistema político democrático e participativo, precisamos formar pessoas para atuar neste sistema. Quando criamos uma criança para obedecer e aceitar, estamos formando mais um conformista que acreditará que “não há o que ser feito”, e repetirá em tom derrotistas “as coisas são assim mesmo”, “sempre foi assim”, “sempre será assim”. Se você deseja ser um dos pais educadores para o futuro, procure assumir uma postura comunicativa, aberta e respeitosa com seu filho, ela é uma criança, não um idiota. Estabeleça limites passíveis de serem explicados e compreendidos, acompanhe ele na vitória e na derrota, aceite a falha, não aceite o conformismo, ensine-o que o mundo muda, e que o mundo em que você vive hoje não existirá mais quando ele for um adulto.
Quando você sentir vontade de dizer "Você não vai sair por que eu não quero", silencie e pense em como é possível revelar seus temores e apreensões de forma razoável, mostre o quanto você ama ela e procure uma saída conciliadora ao invés de impositiva. Busque incluí-la nas decisões do lar, não só nas compras, mas também nas responsabilidades e tarefas, ajude a construir a consciência de que tudo que é feito tem uma consequência que precisa ser lidada, não deixe que os problemas aparentem se resolver magicamente, seja o lixo que precisa ser levado para fora, seja o custo da energia e água desperdiçada ou do esforço necessário para fazer uma boa refeição. Ensine-a que não existe trabalho indigno, e que você precisa ser capaz de cuidar de si mesmo e de seu ambiente, incluindo limpar sua privada, lavar suas roupas e pensar no bem estar de todos que compartilham da sua vida.
Sim, existirão momentos em que você terá que ser assertivo e impedir uma atitude que levará a morte, como seu filha enfiar o dedo em uma tomada ou correr em direção a um buraco. Mas isso não justificará todos aqueles outros momentos em que você se valeu de sua posição de poder para impor sobre seu filho à sua vontade.
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